A abordagem Human-in-the-loop (HITL): garantindo qualidade nas aplicações de IA
A inteligência artificial (IA) não é uma descoberta tecnológica recente, mas ganhou grande destaque nos últimos anos devido à inteligência artificial generativa, uma tecnologia capaz de produzir conteúdos novos similares aos produzidos por humanos. Ferramentas como o ChatGPT despertaram a curiosidade da população geral e o interesse de empresas de todos os setores.
Segundo a pesquisa The State of AI in Early 2024, da McKinsey, a adoção global de IA saltou de 55% para 72% no período de um ano. A IA generativa foi a que mais se destacou, aumentando sua presença de 33% para 65% nas corporações. No Brasil, o cenário também é muito expressivo: um levantamento do Google em parceria com a Ipsos mostrou que 54% dos brasileiros já utilizaram ferramentas de IA generativa em 2024, contra uma média global de 48%. Além disso, 65% dos entrevistados demonstraram confiança no potencial da tecnologia, um patamar superior aos 57% observados mundialmente.
O estudo aponta, ainda, que a inteligência artificial também está sendo amplamente usada para ganhar eficiência e resolver problemas no ambiente de trabalho, com 78% dos profissionais a utilizando em suas rotinas.
Entretanto, a crescente presença das soluções de IA em empresas de todos os setores levantou uma preocupação fundamental: como garantir a qualidade e a confiabilidade das aplicações de IA? É justamente nesse contexto que surge a abordagem Human-in-the-loop (HITL), que une inteligência artificial e humana para construir soluções mais seguras, éticas e eficazes.
Você verá neste artigo:
O que é a abordagem Human-in-the-loop e qual a importância dela para a área de inteligência artificial.
Quais os benefícios e os desafios proporcionados ao adotar essa tecnologia.
Como a HITL funciona e em quais contextos ela pode ser aplicada.
Quais as tendências para o futuro da HITL e da IA.
O que é Human-in-the-loop (HITL)?
Human-in-the-loop (HITL) é uma abordagem da inteligência artificial em que seres humanos participam ativamente de etapas críticas dos processos da IA, como o treinamento dos modelos e a validação dos resultados. Em vez de deixar que a máquina decida sozinha, essa metodologia garante que o olhar humano identifique erros, ambiguidades e vieses e corrija o que for necessário para lapidar as respostas geradas pela ferramenta.
As limitações da IA já são bastante conhecidas, mesmo os modelos mais avançados de deep learning podem falhar ao interpretar comandos, perpetuar preconceitos presentes nos dados ou apresentar respostas imprecisas. Nesse cenário, o feedback humano funciona como um meio de melhorar os modelos e de assegurar que eles funcionem de forma segura, ética e confiável.
Empregar essa abordagem não se traduz em diminuição da eficiência ou da praticidade proporcionada pela IA, mas sim em aumento da confiabilidade e da precisão tanto da ferramenta quanto das respostas por ela geradas.
Essa ação pode ser exemplificada na moderação de conteúdo em redes sociais: a inteligência artificial consegue identificar automaticamente possíveis violações das diretrizes da comunidade, mas o julgamento nem sempre é preciso. A intervenção humana nesses casos garante decisões mais justas e contextualizadas.
Na prática, essa interação cria um ciclo contínuo de aprendizado:
Humanos guiam a IA ao fornecer rótulos, dados de treinamento, correções em tempo real e conhecimento especializado;
A IA auxilia os humanos ao processar grandes volumes de informação, detectar padrões e gerar insights que ampliem a capacidade de decisão dos usuários.
Em geral, a HITL é uma abordagem que estabelece trocas constantes entre máquinas e pessoas, criando uma relação de equilíbrio entre a eficiência da inteligência artificial e o discernimento humano.
Por que supervisionar a IA é essencial para gerar confiança
Embora a inteligência artificial esteja evoluindo rapidamente e se tornando parte do dia a dia de empresas e pessoas, ainda existe uma lacuna de confiança em relação ao seu uso. Muitos usuários reconhecem os benefícios que a IA pode proporcionar para a sociedade, mas permanecem cautelosos diante de possíveis falhas, vieses ou decisões pouco transparentes.
Um exemplo desse fato é a pesquisa global AI Monitor 2025, realizada pela Ipsos, na qual 54% dos entrevistados afirmaram confiar que a IA não discriminaria ou mostraria preconceito em suas decisões, mas apenas 45% confiam que outros seres humanos seriam igualmente justos.
Contudo, apesar de a tecnologia inspirar mais confiança que as pessoas nesse aspecto, o índice ainda é baixo e é justamente nesse ponto que a abordagem Human-in-the-loop (HITL) ganha relevância: ao combinar a expertise humana com a eficiência da IA, aumenta-se a segurança e a credibilidade dessas aplicações.
Essa parceria oferece benefícios importantes:
Redução de erros e vieses: humanos corrigem dados tendenciosos e evitam distorções.
Maior confiabilidade e segurança: especialmente em setores sensíveis, como saúde e finanças.
Transparência e accountability: a supervisão humana garante responsabilidade nas decisões.
Melhor experiência do usuário: IA e humanos juntos produzem resultados mais relevantes e contextualizados.
Além disso, preocupações legais e regulatórias reforçam a necessidade de se manter humanos no ciclo de decisão da inteligência artificial, o que torna a abordagem HITL atrativa para a construção de soluções responsáveis de IA.
Vantagens e desafios da abordagem HITL
A adoção do Human-in-the-loop não apenas ajuda a mitigar falhas comuns da IA, mas também traz vantagens estratégicas para empresas que desejam usar a tecnologia de forma mais responsável e eficiente.
Entre os principais benefícios, estão:
Confiança ampliada: a presença de humanos no processo transmite mais segurança a usuários e organizações.
Experiência do usuário aprimorada: a supervisão humana torna os sistemas mais empáticos, justos e relevantes.
Cumprimento de regulamentações: em um cenário de crescente exigência por explicabilidade da IA, a HITL garante maior conformidade legal.
Sensibilidade cultural e ética: humanos conseguem perceber nuances que a IA ainda não compreende, evitando decisões insensíveis ou inadequadas.
Por outro lado, é importante reconhecer que a HITL também apresenta desafios que devem ser considerados no planejamento:
Custos adicionais: o envolvimento de profissionais humanos em processos automatizados exige investimento em infraestrutura e equipe.
Necessidade de especialistas: os profissionais atuantes precisam estar qualificados para lidar com a tecnologia.
Possível lentidão: em cenários que demandam respostas imediatas, a revisão humana pode causar atrasos.
Equilíbrio entre escalabilidade e supervisão: quanto mais um sistema cresce, mais difícil se torna manter a supervisão humana eficiente em todas as etapas.
A adoção da HITL deve ser feita a partir de um plano de ação equilibrado que garanta qualidade e confiabilidade sem comprometer o orçamento da empresa ou a agilidade, característica principal das soluções de IA.
Como a abordagem HITL funciona na prática?
A HITL pode ser incorporada em diferentes momentos dos fluxos de inteligência artificial, equilibrando automação com supervisão humana para garantir qualidade e segurança, como:
Aprendizado supervisionado:
Nos modelos de machine learning, humanos rotulam dados de treinamento, como marcar e-mails como “spam” ou “não spam”, ou identificar em imagens se o objeto é um “garfo”, “colher” ou “faca”. Esses rótulos guiam o sistema e aumentam a sua precisão, fornecendo contexto que a IA sozinha não teria.
Avaliação de desempenho e Feedbacks:
Profissionais humanos também realizam um papel importante na avaliação do desempenho dos modelos, apontando falhas e sugerindo correções por meio de feedbacks. Essa etapa é essencial para ajustar respostas e aumentar a confiabilidade, especialmente em sistemas usados em escala, e pode ocorrer por meio do aprendizado ativo e do aprendizado por reforço.
Aprendizado ativo:
Aqui, a própria IA identifica situações de incerteza e solicita intervenção humana apenas quando necessário. Isso otimiza o uso do tempo dos especialistas, concentrando esforços nos casos mais ambíguos.
Aprendizado por reforço:
Muito usado em modelos de linguagem, esse método cria um “modelo de recompensa” com base no retorno humano. Assim, o sistema aprende a priorizar respostas mais adequadas a contextos complexos ou subjetivos.
Essas práticas já aparecem em aplicações cotidianas:
Chatbots: capazes de resolver dúvidas simples, mas transferem casos mais complexos a atendentes humanos.
Saúde: sistemas sugerem hipóteses de diagnóstico, mas o médico define o tratamento final.
E-commerce: algoritmos recomendam produtos, enquanto curadores humanos ajustam campanhas conforme a estratégia da marca.
Além disso, o nível de supervisão varia conforme a complexidade de cada caso: em alguns, basta revisar exceções; em outros, a presença humana precisa ser contínua para evitar riscos.
Setores onde o HITL é indispensável
Embora o HITL possa trazer benefícios a qualquer área, alguns setores dependem de forma mais intensa da supervisão humana devido a riscos éticos, legais ou sociais, como saúde, segurança e justiça, educação, marketing e atendimento ao cliente e financeiro.
Saúde
A IA já auxilia em exames e diagnósticos, como na detecção de câncer de mama a partir da análise de mamografias. Porém, a análise final continua sendo responsabilidade de médicos, que consideram histórico, sintomas e contexto do paciente. A supervisão humana aqui garante precisão e segurança.
Segurança e Justiça
Ferramentas de IA já estão sendo usadas para auxiliar pesquisas jurídicas, como é o caso da ferramenta Jurema-7B, desenvolvida pela NeuralMind, focada em auxiliar profissionais do sistema jurídico brasileiro e desenvolvida a partir do apoio e financiamento da FINEP. Esses tipos de ferramentas facilitam pesquisas e análises jurídicas, mas precisam ter os seus resultados revisados por profissionais qualificados para não imputar crimes ou fazer inferências legais sem bases adequadas.
Educação
A IA também está sendo adotada em plataformas que personalizam o aprendizado. Apesar disso, surgem debates sobre ética, viés e limites dessa tecnologia no ensino. Para além de ser necessário que materiais educativos feitos com o auxílio da IA sejam devidamente revisados e checados por profissionais da área, professores continuam fundamentais para orientar processos, interpretar nuances e assegurar que os alunos recebam não apenas informação, mas também formação crítica de qualidade.
Marketing e atendimento ao cliente
Do emprego de chatbots de suporte até a construção de campanhas personalizadas, a inteligência artificial ganhou muito espaço na área de marketing e atendimento ao cliente. Uma pesquisa recente apontou que 80% dos profissionais entrevistados já utilizam IA em seus trabalhos, mas campanhas realmente eficazes dependem da revisão humana para adequar mensagens à identidade da marca e manter empatia no atendimento.
Financeiro
No setor financeiro, modelos automatizados são eficientes na detecção de fraudes e análise de crédito, mas suas respostas precisam ser validadas por especialistas. Sem essa revisão, clientes podem ser injustamente prejudicados por falhas estatísticas.
Em todos esses setores, a HITL vai além de apenas uma ferramenta de apoio, funcionando como requisito ético, legal e estratégico para garantir que a inteligência artificial traga valor sem abrir espaço para erros graves ou injustiças sociais.
HITL e o futuro: praticidade e qualidade
A inteligência artificial vem transformando profundamente a sociedade, e a expectativa é que sua presença se torne ainda mais marcante nos próximos anos. Se antes a IA era restrita a ambientes altamente técnicos, hoje ela faz parte do cotidiano de milhões de pessoas, seja em assistentes virtuais, seja em ferramentas de produtividade. Ao mesmo tempo, as empresas reconhecem cada vez mais seu valor estratégico: segundo pesquisa da Bain & Company, 25% das organizações no Brasil já aplicam IA em algum nível, e 67% a listam entre as cinco prioridades estratégicas até 2025.
Esse crescimento no uso corporativo também reflete em mudanças no mercado de trabalho. O Barômetro Global de Empregos em IA 2025, da PwC, mostra que a demanda por profissionais com competências em inteligência artificial cresceu 284% em apenas três anos, saltando de 19 mil vagas em 2021 para 73 mil em 2024. Isso demonstra que, além de ser uma tecnologia transformadora, a IA está se consolidando como diferencial competitivo tanto para empresas quanto para profissionais.
Esses dados, combinados com a crescente atenção a regulamentações que exigem explicabilidade e revisão humana das ferramentas de IA, apontam para o aumento do emprego da abordagem HITL, principalmente devido a preocupações sobre erros que a tecnologia pode causar.
Portanto, o HITL não deve ser entendido como um obstáculo, mas como um aliado estratégico para empregar a IA com segurança, eficiência e responsabilidade. Ele reforça a ideia de que a tecnologia não substitui o humano, mas o complementa, ampliando sua capacidade de análise e decisão, sem perder de vista valores éticos e sociais.
À medida que avançamos em direção a um futuro cada vez mais automatizado, a abordagem HITL será essencial para equilibrar inovação e confiança no mundo da inteligência artificial. Se você deseja continuar acompanhando como essa e outras tendências em IA impactam os negócios e a sociedade, continue explorando os conteúdos do nosso blog e mantenha-se atualizado com insights que podem transformar sua visão de futuro.