Uso da IA Generativa e LGPD
A inteligência artificial (IA) não é uma novidade, mas, nos últimos anos, ela passou a ganhar cada vez mais atenção do público e das empresas. Dentro desse universo, a IA generativa se destaca por sua capacidade de criar automaticamente conteúdos novos a partir de comandos simples.
A popularidade de ferramentas como ChatGPT e DALL-E fez o interesse em IA generativa crescer também dentro do ambiente corporativo. Hoje, muitas empresas já utilizam IA generativa para automatizar atendimentos, otimizar processos internos e até criar campanhas de marketing.
Porém, para funcionar, muitos desses sistemas são treinados com grandes volumes de dados coletados de diferentes fontes, como sites, documentos, livros, interações online e, muitas vezes, dados pessoais, incluindo históricos de conversa e comportamento de usuários.
Com a presença cada vez maior da IA generativa em diversas áreas — inclusive em setores altamente regulados — e o uso intenso de dados, surgem diversos questionamentos sobre privacidade, transparência e uso ético de informações pessoais. É nesse contexto que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) ganha protagonismo, trazendo diretrizes para o uso responsável de dados e ajudando a construir uma base legal e segura para o desenvolvimento da IA no Brasil.
Você verá neste artigo:
O que é e qual o papel da LGPD;
Como a IA atua dentro de empresas;
Porque a LGPD é importante para o uso responsável da IA generativa;
Dicas para aplicar IA generativa de forma ética.
O que é LGPD e qual a sua importância?
Resumidamente, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, sancionada em 2018, define regras sobre como dados pessoais devem ser coletados, usados e armazenados por empresas, órgãos públicos e até por pessoas físicas, tanto no ambiente digital quanto no físico. O objetivo principal da LGPD é garantir que informações pessoais sejam tratadas de forma adequada, protegendo a privacidade, a liberdade individual e o direito de cada indivíduo conduzir a sua vida com segurança.
De acordo com a LGPD, dado pessoal é qualquer informação que possa identificar alguém, direta ou indiretamente, como nome, e-mail, CPF, endereço IP, voz ou imagem. Além disso, dentro dos dados pessoais, estão os dados sensíveis, que englobam informações mais delicadas, como origem racial, religião, opinião política, dados de saúde ou orientação sexual. Por envolverem riscos maiores de discriminação ou violação de direitos, esses dados exigem cuidados redobrados.
É importante destacar que a LGPD se aplica a todas as organizações, independentemente de atuarem com ou sem inteligência artificial. Toda empresa ou instituição que coleta ou utiliza dados pessoais, seja em papel ou digitalmente, deve seguir as exigências da lei.
O Brasil não é o único nesse caminho. Outros países também têm suas próprias legislações para proteger os dados dos cidadãos. A União Europeia, por exemplo, conta com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) e recentemente aprovou o AI Act, que regula o uso de sistemas de inteligência artificial.
Globalmente, cresce o debate sobre como criar ambientes mais seguros e éticos para o uso de dados e tecnologias como a IA generativa.
Como a IA generativa funciona e qual a atuação dela em empresas
A IA generativa é um tipo de inteligência artificial capaz de criar conteúdo a partir de padrões aprendidos em grandes volumes de dados. Ela se distingue dos sistemas de inteligência artificial tradicionais, que apenas processam ou classificam informações, por ser capaz de gerar textos, relatórios, imagens, vídeos e outros materiais de forma semelhante à produção humana.
Para isso, esses sistemas são treinados com enormes conjuntos de dados, como artigos da internet, postagens em redes sociais, vídeos, podcasts, e outros tipos de conteúdo. A partir desse material, a IA aprende padrões de linguagem, estilo, estrutura, tom e contexto. Com esse conhecimento, ela consegue gerar novas respostas e conteúdos personalizados com base nos comandos dos usuários.
Nas empresas, o uso da IA generativa já é uma realidade em diversos setores e tem ganhado força por sua versatilidade. Entre os usos mais comuns estão:
Automatizar o atendimento ao cliente via chatbots;
Resumir documentos diversos;
Gerar relatórios com base em dados internos da empresa;
Criar ou revisar conteúdos publicitários e de marketing;
Realizar pesquisas rápidas e eficientes dentro de grandes bancos de dados.
Uma pesquisa da IBM revelou que 67% das empresas na América Latina já incorporaram IA generativa em alguma parte de suas operações e esse número tende a crescer: nos últimos dois anos, houve uma forte aceleração na implementação de inteligência artificial em grandes empresas.
Além disso, o estudo destaca que 90% dos profissionais entrevistados consideram a transparência e a ética no uso da IA fatores muito importantes para a confiança dos consumidores na hora de escolher uma marca ou serviço.
Outro levantamento relevante é a pesquisa TIC Empresas, realizada desde 2005, que acompanha o uso de tecnologias de informação em empresas brasileiras. Os dados mais recentes mostram que a maioria das empresas ainda utiliza software ou sistemas prontos para uso, muitas vezes contratando fornecedores externos para adaptar ou desenvolver soluções com IA.
Ou seja, ainda que a IA generativa esteja em expansão, grande parte das empresas depende de parceiros especializados para implementar a tecnologia de forma eficaz.
Qual a relação entre LGPD e IA generativa?
A ligação entre a LGPD e a IA generativa está no uso de dados pessoais, tanto no processo de treinamento dos modelos quanto em suas aplicações práticas no dia a dia das empresas:
Treinamento com dados pessoais: Modelos de IA generativa, especialmente os chamados LLMs (Large Language Models), são treinados com grandes volumes de dados para aprender padrões e responder a comandos de forma natural. Em muitos casos, esses dados incluem informações públicas, mas também podem conter dados pessoais, como históricos de conversas ou prontuários médicos (em setores como saúde, por exemplo). Isso levanta preocupações quanto à legalidade do uso desses dados e à necessidade de garantir que esse processo respeite os direitos dos titulares.
Reidentificação de dados: Mesmo quando os dados são anonimizados, há risco de que uma pessoa seja reidentificada ao cruzar diferentes fontes de informação. Esse risco contraria os princípios da necessidade e da segurança previstos na LGPD, que exigem cuidado especial no uso e na proteção de dados pessoais.
Geração de conteúdo personalizado: Empresas que utilizam IA generativa para criar experiências personalizadas, como sugestões de compra ou recomendações de conteúdo, muitas vezes se baseiam em dados comportamentais dos usuários. Esse tipo de uso só é permitido se houver consentimento explícito ou se estiver amparado em bases legais previstas pela LGPD, como o legítimo interesse.
Tomada de decisões automatizada: A LGPD garante que os cidadãos têm direito de não serem submetidos exclusivamente a decisões automatizadas que possam afetar seus interesses, como aprovação de crédito, contratação de serviços ou admissões em processos seletivos. Nesses casos, as empresas que utilizam IA para tomar decisões precisam oferecer formas de revisão humana e explicar claramente como a decisão foi tomada.
Além disso, a própria LGPD deixa claro que o tratamento de dados pessoais deve respeitar os princípios da lei, independentemente da tecnologia utilizada — inclusive quando se trata de sistemas baseados em inteligência artificial. Para que o uso da IA generativa seja ético e legal, ele precisa estar alinhado a seis princípios fundamentais da LGPD:
Finalidade: os dados devem ser usados apenas para objetivos claros e legítimos, que sejam informados de forma transparente. Não é permitido mudar a finalidade depois.
Necessidade: apenas os dados estritamente necessários devem ser coletados e utilizados para cumprir o objetivo pretendido.
Qualidade dos dados: é essencial garantir que os dados estejam corretos, atualizados e relevantes para evitar erros e decisões injustas.
Transparência: o usuário precisa saber que seus dados estão sendo coletados, como serão usados, por quem e para quê. Tudo deve ser explicado de forma clara e acessível.
Não discriminação: os dados não podem ser usados para práticas discriminatórias ou abusivas, como excluir uma pessoa de uma vaga de emprego por conta de raça, gênero, religião, entre outros.
Responsabilidade e prestação de contas: quem coleta e usa os dados deve demonstrar que adota medidas eficazes para proteger essas informações e que está em conformidade com a lei.
Em resumo, o uso de IA generativa em empresas só pode ser considerado seguro e confiável quando está alinhado aos princípios da LGPD, garantindo o respeito à privacidade e aos direitos dos titulares.
Desafios e dilemas atuais sobre IA e LGPD
Apesar do avanço da inteligência artificial, muitas empresas ainda enfrentam barreiras importantes na adoção de sistemas de IA generativa, especialmente no que diz respeito à ética, segurança e conformidade com a LGPD.
Nesse cenário, ter uma equipe preparada, que entenda a legislação de proteção de dados, é fundamental. Ignorar as exigências da LGPD pode gerar consequências sérias, como multas que chegam a 2% do faturamento da empresa, conforme o artigo 52 da lei. Além do impacto financeiro, há também o risco de danos à reputação da marca, o que pode afastar clientes e comprometer parcerias estratégicas.
Além disso, segundo o estudo “IA Generativa e LGPD: transparência, desafios regulatórios e caminhos para a conformidade”, feito pela FGV (Fundação Getulio Vargas), o cumprimento dos princípios da LGPD por parte das plataformas de IA generativa analisadas está longe do ideal. Isso reforça a urgência de as empresas adotarem uma postura mais cuidadosa e ativa em relação ao uso de dados pessoais.
Boas práticas para quem quer usar IA com responsabilidade
Embora existam desafios, é possível usar IA generativa de forma responsável e alinhada à LGPD. Com planejamento e boas práticas, empresas podem aproveitar os benefícios da tecnologia sem comprometer a segurança ou a privacidade dos usuários.
A seguir, veja seis passos que ajudam nesse processo:
Realize uma Avaliação de Impacto à Proteção de Dados (DPIA): antes de implementar qualquer sistema de IA, é essencial analisar os riscos relacionados ao tratamento de dados pessoais. Essa avaliação ajuda a tomar decisões mais seguras e alinhadas à lei.
Defina uma base legal clara: a empresa deve entender qual base legal da LGPD se aplica ao seu uso de IA, como consentimento, legítimo interesse ou cumprimento de obrigação legal, e deixar isso registrado e documentado.
Prefira dados anonimizados: sempre que possível, utilize dados que não permitam identificar indivíduos diretamente. Isso reduz riscos e facilita a adequação à LGPD.
Adote políticas de governança em IA: defina normas e regras internas sobre como os modelos serão usados, monitorados e auditados.
Seja transparente com os usuários: informe de forma clara quando um conteúdo foi gerado por IA, explique como os dados são utilizados e ofereça canais para que os usuários contestem decisões automatizadas, quando necessário.
Invista na capacitação do time: treine seus colaboradores não só sobre o uso das ferramentas de IA, mas também sobre privacidade, ética e os princípios da LGPD. Ter profissionais conscientes e preparados faz toda a diferença.
Além disso, contar com profissionais do jurídico no time responsável pela IA ajuda a garantir que tudo esteja em conformidade com a legislação. Como prevê a própria LGPD, as empresas devem oferecer “informações claras, precisas e facilmente acessíveis” (art. 6º, VI), princípio que vale para todas as etapas do uso da tecnologia.
O que esperar para o futuro
A inteligência artificial generativa continua evoluindo rapidamente e, com isso, mais empresas estão adotando essa tecnologia para reduzir custos, automatizar tarefas, otimizar processos e melhorar a experiência do cliente. Como apontam as pesquisas mencionadas, a tendência é de crescimento contínuo na aplicação da IA generativa no ambiente corporativo, o que significa, também, que o debate sobre uso responsável dessa tecnologia ficará mais intenso.
Nesse contexto, é importante entender que a IA generativa é uma enorme oportunidade para governos, empresas e indivíduos, mas que o seu uso deve ocorrer de acordo com as normas legais de cada país. Nesse sentido, a LGPD não deve ser vista como um entrave, mas como um guia essencial para garantir a segurança de todos os lados.
Seguir os princípios da LGPD desde o início da implementação de soluções de IA é a melhor forma de construir estratégias tecnológicas sólidas e sustentáveis. Estar por dentro dos principais debates no mundo da tecnologia também é muito importante. Para isso, siga nosso blog e fique por dentro dos assuntos que estão moldando o futuro digital.